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Adultices

A alegria, como toda virtude, é um bem supremo, uma régua excelente para medir o que deve e o que não deve ser mantido. Não à toa a famosa coach de arrumação Marie Kondo dizia para nos livrarmos de tudo aquilo que não traz alegria. A Alegria é efusiva: eleva o ânimo e dá brilho às coisas, mesmo as mais gastas. Alegria é modo de vida e é progresso; ainda assim não encontrar alegria não é o fim de tudo, e mesmo a alegria mais genuína decai, diminui e desaparece com o tempo. Tudo no universo, afinal, está sujeito à lei da entropia.

Das alegrias possíveis — os chineses gostavam de chamar de o mundo das dez mil alegrias e dez mil tristezas para ilustrar o limite do que podemos conhecer — a alegria sem motivo é a melhor. A Alegria leve de quem tem a consciência livre. A alegria das crianças e dos velhinhos, por exemplo. Também, a alegria dos santos e dos eremitas. De um ponto de vista prático, no entanto, só existe alegria ou ausência dela, e essa distinção deveria ser suficiente.

Eu me alegro com o primeiro café que bebo de manhã, por exemplo. Me alegro com os belos por-do-sóis desta cidade e me alegro com a visão de crianças. Me alegrava quando bebia, sozinho em casa, e me alegro agora, sóbrio há 4 semanas. Alegro-me quando sento para meditar, sem objetos eletrônicos ou mesmo música, apenas eu e o meu sistema parassimpático. Nestes momentos eu estou um pouco mais perto daquela alegria das crianças, a alegria de se descobrir abençoado pelas mínimas coisas da vida.

Alegro-me também com lembranças de tempos idos. Viagens em países desconhecidos , trilhas solitárias na mata ou mesmo passeios para pensar nas proximidades. Em comum o abandono do conforto e lugar comum onde enfrento um desafio que precisa ser enfrentado. Lembranças de boas ações, onde escolhi a temperança ao invés da ira, ou onde escolhi a reflexão ao invés do impulso. Em nenhum dos casos houve uma escolha de verdade, e a virtude não está realmente aí, apenas uma ação consciente e harmoniosa com aquilo que eu sou de verdade e não com uma versão artificial. Uma ação de resultado salutar causada como por pensamento mágico, mas que só acontece quando saio do caminho e simplesmente deixo a natureza agir por si mesma.

A conquista da felicidade, tão alardeada por filósofos através dos séculos não deve ser nada além de viver com alegria, cada vez mais gratuita e efusiva. Não deve ter nada a ver, portanto, com adquirir posses, status ou poder; motivo pelo qual a felicidade costuma ser incensada como fim último e portanto inalcançável para a maioria. Mas se ela está assim tão longe é cabível discutir quem a colocou lá. Os filósofos? Os teólogos? E o que eles sabem sobre mim? O que ele sabem sobre minha alma?

O sábio só pensa em seus problemas quando existe algum sentido em fazê-lo; no restante do tempo pensa em outras coisas e, à noite, na cama, em nada pensa.

Russel, Bertrand. A Conquista da Felicidade.

É preciso lembrar, uma vez ou outra, que o nascimento humano é uma chance única de trilhar o que o budistas chamam de caminho do meio, ou seja, nem tão feliz que nos esqueçamos uns dos outros e nem tão difícil que passemos o tempo todo à busca de uma migalha de alívio e prazer. Um privilégio, por assim dizer.

A CASA DE HÓSPEDES

O ser humano é uma casa de hóspedes.
 Toda manhã uma nova chegada.

A alegria, a depressão, a falta de sentido, como visitantes inesperados.

Receba e entretenha a todos
 Mesmo que seja uma multidão de dores
 Que violentamente varrem sua casa e tira seus móveis.
 Ainda assim trate seus hóspedes honradamente.
 Eles podem estar te limpando
 para um novo prazer.

O pensamento escuro, a vergonha, a malícia,
 encontre-os à porta rindo.

Agradeça a quem vem,
 porque cada um foi enviado
 como um guardião do além.

Rumi (Mestre sufi do sec. XII)

Estes dias de trabalho têm sido também dias de descoberta. Quando se sai de casa para trabalhar se tem a chance de encontrar o outro, o diferente, a alternativa. É um risco, como sempre, mas é preciso aprender a viver com o risco, afinal. A pedra que não sai da gruta nunca é lapidada, dizia o provérbio árabe.

Tudo na vida é integrado, como uma mandala. É difícil entender quando se tenta pensar demais ou forçar a análise. Eu sei porque eu sofri muito com isso. Houve uma época, ainda adolescente, em que eu não entendia como as pessoas podiam progredir, quase como por mágica, à minha frente, contra todas as possibilidades oferecidas pelo meio. Eu imaginava centenas de possibilidades, em meu cinismo adolescente, sem perceber que se minha explicação está tão complicada o mais provável é que já não é verdade.

Foi uma época extremamente difícil para mim. Eu me debatia, com ciúmes e inveja, à maneira de um Iago, e eu queria para mim aquilo que nem sabia se me caberia. Felizmente, após um processo interno que pareceu levar uma eternidade, eu entendi que tudo haveria de acontecer em seu próprio tempo, e que não me caberia compreender este tempo, mas me entregar e aceitar. (E também, sair daquela cidade o mais rápido que pudesse).

“Se todos pudessem, todos deveriam fazer análise”. Isso costuma ser dito por todos que fazem algum tipo de terapia. O princípio de auto equilíbrio prediz, no entanto, que todos acabamos encontrando algo que resolva a tensão, ainda que nem sempre seja saudável. Para mim, para resolver aquela inveja que me comia por dentro, em uma época que tanta coisa acontece ao mesmo tempo e em que tudo parece um concurso de popularidade, a solução foi se voltar para dentro com seriedade. Quando encontrei a perspectiva correta, afinal, pude sossegar e apreciar com sinceridade o sucesso de meu amigo.

Existem várias maneiras de ser bem sucedido, porquê existem muitas maneiras de Ser. Partindo do princípio de que não existem limites, e que somos todos uma manifestação interligada de um inteligência coletiva, cósmica e incognoscível, que diferença faz se meu irmão tem um carro do ano ou se minha irmã é mais inteligente do que eu? Muitas vezes esquecemos com facilidade as dificuldades e sacrifícios que tais vitórias exigem para ficarmos presos na aparência-de-sucesso-das-coisas.

Que a sociedade incentive a divulgação destas mesmas aparências, por mais vazias que sejam, só torna a coisa toda mais doentia. Instagram é o exemplo mais comum, mas nem precisa ser por trás das telas, e mesmo em uma sala com três colegas de trabalho dever-se-ia revelar em um par de horas qual a relação de poder vigente ou emergente.

A vida adulta trás muitas alegrias que de outra forma seriam difíceis ou mesmo desconfortáveis. Beber é uma delas, e decidir-se a parar de beber também. Lembrar das dificuldades passadas e que hoje são risíveis, também.

Um amigo da Geografia gosta de dizer que estou na crise de meia idade toda vez que reclamo de dele, e por dentro eu rio porquê, no fim das contas, ninguém sabe quando é chegada a hora, e portanto ninguém sabe quando está realmente na meia idade. Por outro lado, a média de vida do brasileiro estando em 76 anos me dá, tecnicamente, uns três anos antes deste ponto. Mas as coisas sempre têm acontecido ou tarde demais ou precocemente para mim, e não acho que esta crise, se é que existe, vai ser diferente.

Ser “Adulto” não tem nada a ver com estar ajustado ao mundo, mas sim a si mesmo. Alegra-me saber que isso é assim para todos, e que todos assim serão quando for chegada a hora.

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