Quando meu pai biológico morreu eu encontrei em meio às suas coisas uma carta que lhe escrevi aos dezoito anos, quando soube de sua existência
Hoje fizeram três anos que o Vitor Paniagua, em Vilhena Rondônia, partiu, ainda muito cedo. Também hoje minha mãe pôde visitar meu avô, que saiu da UTI para uma sala de recuperação do COVID. Como diz Beckett em “À espera de Godot”: “As lágrimas do mundo são em quantidade constante. Para cada um que irrompe em choro, em outra parte alguém para. Com o riso é a mesma coisa”.
Tenho pensando muito em ambas estas figuras paternas tão importantes na minha vida. Meu avô, que é também o motivo de eu ter crescido em uma cidade do interior do estado, dá provas de que quer muito viver, e ilumina meu coração com a esperança de poder voltar a abraça-lo e receber seus diários bom dias pelo whatsapp. Por outro lado, meu pai distante e conhecido apenas aos 18 anos, Vitor, é parte do começo da minha vida fora em definitivo daquela mesma cidade.
Mais ainda, a julgar pela carta que lhe enviei em 2002 quando ainda esperava conhecê-lo, e pelos caminhos que percorri até aqui, é, junto com a faculdade e os amigos do caminho, também parte de um crescimento cultural e filosófico que eu só poderia sonhar, quando ainda planejava, logo após brigar com meu pai de criação, sair do interior e “estudar jornalismo em uma federal concorrida”. Reler estas palavras, escritas em uma letra confusa e cursiva me faz lembrar de ser gentil e compassivo comigo mesmo, que tanto fingi que gostava de ler e ser informado que acabei, como agora percebo, quase conseguindo. Irmãos Karamazov, no entanto, ainda permanece inacabado.
Em memória de meu querido amigo Vitor Paniagua, reproduzo aqui, na íntegra, a carta que lhe escrevi, às escuras, há quase vinte anos atrás. Em celebração ao meu avô querido que luta para se recuperar e respirar livremente outra vez, prometo ter sempre em vista dias em que eu fui mais simples e sonhador; dias em que eu descobri, da maneira mais dura possível, a importância de ser honesto e dizer a verdade de modo a não quebrar, nunca, o coração de alguém ou obter vantagens pessoais.
Coisas menores Divertem mentes pequenas
SEMPRE gostei de escrever (mesmo tendo está letra) e entrava em êxtase se o tema da redação, dissertação ou carta, sei lá, fosse algo diferente, original, fora do padrão “como foram suas férias”, “escrevo esta carta para o presidente porquê…”ou a mesmo a agora batida “ como evitar as DSTs”. Sempre me empolgava quando os temas adultos como “morte”, “racismo”, “expectativa de dez anos em relação a sociedade de…”. Certa vez quando eu estudava no 1°ano do E.M. de uma escola em Campo Grande, houve um Concurso Nacional de Redações com o tema “escrevo esta Carta”, no qual no qual você deveria simular uma carta a um amigo, namorada, parente ou pais, etc. O vencedor iria para Brasília. Na minha carta eu fiz algo bem “down”, e de certa forma original; escrevi uma redação de três partes, e cada parte representava uma carta enviada ao melhor amigo, à namorada, e aos Pais, do protagonista, que vivia só, longe dos três; as cartas isoladamente diziam pouco, mas somando-se ideias que tinham em cada, concluia-se uma imagem triste e realista do adolescente de hoje (para dizer a verdade, de 2000, a 2 anos atrás, eu tinha 15 e ia fazer 16). Minha carta foi escolhida no perímetro escolar, junto de outras 3, e de brinde, eu exclusivamente, ganhei uma entrevista com a psicóloga que achava que a carta estava triste e depressiva demais para sair apenas da minha imaginação. Bem, tratei de provar que tudo ali era fictício e qualquer semelhança com a realidade era mera coincidência. Escrevi já cartas de amor (e quantas meu Deus!) cartas a amigos e cartas a meus Pais, mas nunca uma carta a quem eu jamais havia visto. A quem eu não conheço e que me deu a vida; isso sim é um tema legal, e o pior é que é real!
Posso tentar dizer coisas sobre mim, que de certa forma não digam nada, como, gosto de rock, nacional, internacional, folk, e nu (nu rock, nova tendência do rock mundial) e até Punk. Mas tenho total aversão a pagode e qualquer coisa que venha de goiânia. Com ênfase no pagode; não suporto ouvir muito; mas não se assuste, se atingir o senhor (ou você?), eu aguento legal, já trabalhei no Mac Donald’s… Curto a frase: “Coisas menores Divertem mentes pequenas” e sempre segui o caminho da Erudição. Leio desde pequerucho ( minha ex me acostumou a dizer isso) e atualmente leio Dostoioski (SIC) (os irmão Karámazovi), sigo ferreamente a filosofia Empirista ( aquela que diz que o homem é aquilo que viveu, que é composto de experiências, e não de dons inatos) de francis Bacon e Jonhn locke (SIC). Li o livro Armadilhas do Poder de Gilberto Dimenstein e adorei a profissão de jornalista; já fiz teatro ( um fracasso como ator, mas é cheio de … (ilegível), e intelectuais) e saco um pouco de psiquiatria e filosofia; vivi com uma mulher por um ano e meio ( de 22 anos, Darlene) e separei a pouco, o que não quer dizer que eu esteja chorando pelos cantos… Vivi quase nada em Iguatemi, mas quero passar lá ainda, tenho só 18 anos. Pretendo me alistar agora em 2003, fazer uma facul de jornalismo decente, e achar uma religião.
Não tenho a mínima ideia sobre que rumo este relacionamento seminal irá tomar, e de qualquer forma, não quero forçar a barra para descobrir, que se faça as coisas naturalmente, sem pressão. Ainda estou meio perdido, quero muito sair de Terra nova e então me lembro daquela máxima de Shakespeare; “não importa para onde se está indo, mas para onde se quer chegar”, e eu sei onde quero chegar. Quero fazer uma faculdade de jornalismo federal, e concorrida. — porque acho que tenho potencial para atual empreendimento — Quero viver no sul, de preferência Porto Alegre, desde que eu conheço o Estado e as gauchinhas, aquele lugar se tornou uma obsessão.
Meu relacionando com o seu Joel (meu pai de criação) nunca foi legal, primeiro porque ele sabia, e segundo porque eu nunca imaginara. Então as indiretas eram assimiladas de forma diferente. Ele sempre me considerou um intelectualzinho (apesar de ele próprio não saber dizer/escrever intelectual) e às vezes até me chamou de efeminado, única coisa que eu jamais dera motivo. Meu pai acha que para ser homem é nessesário (SIC) ir para o mato, perder pedaço do corpo na motosserra ( mas ele está intacto) e ter uma mulher submissa para botar chifre. Para provar para ele que eu não era um intelectualzinho eu trabalhei no Mac Donalds, que apesar das aparências é tão perigoso e cansativo quanto ir para o mato derrubar árvores, com um adicional, os chefes que te humilham para própria e sádica diversão. Larguei a escola lá em CG (campo grande) e trabalhei até ser respeitado pelos chefes, e provar para mim mesmo que erudição podia ser sinônimo de trabalho. Aí veio minha ex atrás de mim ( do Sul, Três de maio, no Rio grande) e acabei, após uma sucessão de fatos, voltando para cá. Mas apesar de tudo amo meu pai. É só o jeito dele, poxa, que é diametralmente oposto ao meu.
Quando numa ensolarada manhã de Domingo minha mãe me contou tudo, que meu pai chamava Vitor Paniagua, e só sabia isso, quis saber tudo, detalhes, como que era, como se conheceram, e eu disse que tudo bem, por mim nada mudaria, mas era (desculpe o palavrão) uma puta sacanagem esconder de mim por 18 anos (acabara de completar) algo que era do meu direito saber. Poxa, se eles quisessem eu nem perguntaria mais nada. É daí eu sou obrigado a aguentar o seu Joel a fazer indiretas (bem obscuras) durante 18 anos para então sacar seus significados? E continuei minha vida com paciência, esperando pagarem o telefone para que eu próprio fizesse minhas investigações; mas a minha mãe o fez antes de mim e o resto nos levou até este momento. Right, estamos aqui. Seu texto é muito bem escrito, mostrando um conhecimento aprofundado seja em qual área for o tema,de agropecuária a prostituição, e o senhor (ou você?) não sabe como fico feliz com isso. E qdo eu soube que o senhor era jornalista, então?! Foi um joguete de Deus, do destino, da vida, uma inesquecível virada na mesa onde estava minha vida…
Estou pensando em pedir um computador (OZ) pro Vô, não tenho nada além de livros e CDs, é quem sabe eu vá pra Sinop. Gostaria de saber mais sobre você ( ou senhor?) Talvez deste modo esteja sabendo mais sobre mim também.
Estou deixando a vida me levar, no entoar de alguma canção, aprendendo tudo que posso, vivendo, plantando meu Jardim e decorando minha alma, ao invés de esperar que me tragam flores. Porquê o tempo não pára.
Te cuida Vitor, ou pai.
Walker
Barros
Dantas
27 do 11
2002