Todos os domingos são idiotas
Analisando brevemente o livro do Piglia
Desde luego, todos los domingos son idiotas
Ainda assim se trata de um diário de um jovem de vinte e poucos anos, aos poucos, descobrindo o mundo, as namoradas, os amigos e a literatura. O cenário era a Argentina cosmopolita do início dos anos sessenta mas poderia ser 2007: o jovem escritor ressoa com qualquer jovem em qualquer época (o que põe em perspectiva até mesmo nossos sentimentos pelos nossos avós ou pelos baby boomers). Mas, se tem uma coisa que chama mesmo a atenção ao longo de todas as entradas do diário, é o imenso talento que ele possuía para a linguagem e para a literatura. Não exista nada, nenhum autor relevante ou obscuro, que ele não tenha lido e analisado; ao mesmo tempo, ele se mantém o tempo todo atento a qualquer corrupção de seu estilo pelos estilos em voga da época. Entremeados com os diários vemos alguns de seus contos, cuja construção foi comentada ao longo dos diários. Ele cuida sempre que sua arte seja única. Além disso temos o arquétipo do artista sofrido também: artista passando fome e frio, artista brigando com o pai, artista usando metanfetamina para escrever por dias sem parar, artista amando loucamente e depois sofrendo por amar demais. Temos um vislumbre de seu método de escrever e revisar, que inclui o estágio da incubação, que eu já comentei em uma postagem aqui no Quisquilae. Enfim, indico o livro para qualquer um que ame a arte — nem precisa ser a arte literatura, mas qualquer tipo de ofício artístico.
Também, é uma janela excelente para entender como se davam as relações, de trabalho e afetivas, na Argentina da segunda metade do século XX; tudo o que interessa está lá: Cortázar, Borges, Canclini (que é parte do arcabouço estudado no meu mestrado), García Marquez, Walsh e muitos outros. Conhecemos também o Cacho, um amigo marginal e não literato de Piglia que lhe introduz à imensidão e exuberância do submundo criminoso Argentino. Conhecer a atração de Piglia pelo perigo e pela demonstração de afeto mesmo de criminosos ressoou em mim com amigos malucos que eu já tive — e que eram tão humanos como qualquer um.
A todavia publicou a segunda parte da trilogia (anos felizes) e logo vai publicar a terceira, eu acho. Como anunciado por aí, é também uma oficina literária ler este livro; talvez por isso eu deva esperar um pouco mais para prosseguir com o próximo; apreender o que é arte e o que é da literatura apenas leva um tempo, e eu estou longe de ser tão talentoso como Piglia, o que pede mais uma reflexão acerca de minhas possibilidades neste campo.