Cada um têm, ao longo das diversas fases da vida, o ídolo que deseja para si. Alguns se espelham em atletas de elite, outros em filósofos. Eu nutro admiração por cientistas. Para mim, Einstein, Hawking e os cientistas-atletas como Neil Armstrong e outros astronautas, são a verdadeira revelação da humanidade, a inspiração para a grande massa, o meu sonho irrealizável desde menino e aquilo que seja o ápice do desenvolvimento individual humano.
Sim, esta é mais uma das idiossincrasias que nos atingem todos e que não podemos evitar. E por todos quero dizer todos mesmo. Desde pequenos meninos fãs de Neymar Jr.na Bolívia a adolescentes nos Estados Unidos com um pôster do Nietzsche na parede do quarto lutando contra tudo e contra todos (família em especial). Eu, no Brasil, colocava notícias de descobertas científicas que abalavam o mundo nas minhas paredes. Para mim um cientista era o mais próximo de Deus que poderíamos ser.
Essa crença já se foi há muito tempo. De fato, nunca cheguei sequer a cogitar a sério a ideia de me tornar um cientista eu mesmo, gene ruim para matemática eu acho, e isso nunca foi importante. Com o tempo aprendi a admirar nos cientistas exatamente o que eles não tinham de deuses; suas falhas, suas fraquezas, e, em suma, sua humanidade. É semelhante a um teste para saber que um cientista é real; como se aplicasse a lei da falibilidade do Popper nos próprios cientistas: um cientistas só é verdadeiro na medida em que ele falhar, em algum momento, em ser realmente um cientista.
Quis a contingência da vida que eu me destinasse à beleza ao invés da verdade (muito embora possamos enxergar beleza em uma equação matemática, ou nos padrões de uma semente de girassol). E disso, para mim, não restam dúvidas: a verdade é apenas um meio, e não um fim, para a beleza. E mesmo, e principalmente porquê, a minha vida, já tão avançada quanto verdadeira, foi sempre um meio para algo mais que a mera verdade. Examinando minha vida, encontro raras vezes em que a verdade e eu estivemos na mesma sala.
E se a ponte entre beleza e verdade existe e pode ser construída, como a sequência de fibonacci aponta, então talvez eu possa andar de um lado ao outro, escolhendo sempre o sentido da beleza, uma vez que eu não reconheceria a verdade nem se eu batesse a testa nela. Mais ainda, que toda tentativa contrária seja consumida pela mesma contingência que me trouxe até aqui; e que se converta em nada já que tenho idade suficiente para reconhecer as batalhas que me restam.
Sim, idade. Afinal, trinta e cinco anos não são trinta e cinco semanas. De fato: são quase 13 mil dias, dos quais eu tenho procrastinado por cerca de 10 mil segundo meus cálculos; se eu fosse dar um conselho para quem vem, seria o de que envelhecer não significa perder inspiração mas, pelo contrário, ganhar intimidade com ela. Diria também que nada nunca fica mais fácil, as dificuldades se revezando entre si e assumindo nomes diferentes, mas jamais indo embora de vez — jovens todos sempre seremos, contanto que não percamos a nossa criatividade e inspiração.
É comum, no entanto, embriagar-se, seja com a juventude, seja com o poder — confundindo uma coisa com a outra, inclusive. Grande parte da minha juventude foi passada tentando conhecer e evitar estas armadilhas; nem sempre fui bem sucedido, e meu corpo guarda cada cicatriz, torção e tensão de lembrança. Ainda assim é em direção à juventude que mantenho meu olhar e meus pensamentos — e neste ponto mesmo o limite entre criador e criatura se dissipam. No meu casamento meus únicos amigos presentes não eram Millenials ou mais velhos que esta geração.
Não que isso importe. Não importa. É apenas sintomático de uma vida levada segundo premissas bastante específicas — e que podem muito bem estar completamente erradas. O autoconhecimento, atingindo seu objetivo, sempre acaba em tragédia. Eu tenho escolhido viver com o que eu tenho — ou se preferir, com o que eu não tenho. Mais importante, guiando-se sempre pelo que é essencial, não lutar contra as imposições do que não é essencial.
De uma perspectiva histórica, a jornada espiritual é sempre trágica, pois é um caminho solitário apenas para indivíduos e não para sociedades inteiras. Harari, Yuval Noah. Homo Deus: Uma breve história do amanhã .Parte II, cap. 5.
O benefício da dúvida: escrevo somente para manter as palavras rolando até uma frase, uma sentença ou um texto que realmente me importe aconteça. Se manter transparente durante o processo é em si mesmo um processo. Nisto me inspiro não apenas nos cientistas mas também no Poe quando escreveu a introdução ao seu poema Raven onde explica todo o processo de criação e as escolhas que fez ao fazer seu mais famoso poema. Citando de memória: “não compartilho do entusiasmo de alguns poetas que querem fazer parecer uma inspiração mística as suas criações”.
Muitos são os caminho que levam nós a nós mesmos, e facilmente nos perdemos na busca de alguma ilusão narcisista — nossa espécie evoluiu para buscar padrões e se agarrar a eles com força. É possível que em algum momento eu me arrependa de tudo o que eu disse, e deseje esconder cada palavra, cada ideia, cada gesto; nada mais nobre que saber se arrepender — e o arrependimento é parte da redenção. Talvez seja por isso que o nascimento de um artista comece sempre pela invenção de seu nome artístico — que dali em diante será seu nome verdadeiro. É como se reconhece a independência sobre tudo o que aconteceu e que não foi escolhido.
Ontem eu fui em um casamento comunitário no pedregal. Foram quatro casais se casando, um mais belo e inspirador que o outro. A simplicidade e sensação de que somos parte integrante da vida de alguém, mesmo que como testemunha apenas, é maravilhosa. Como no meu próprio casamento, eu me senti a unidades astronômicas de distância, contemplando a imensidão do cosmos, a orquestra celestial dos diversos corpos celestes, a ancestralidade do sangue, da terra e dos oceanos. E como no meu casamento, foi breve, mas marcante.
Podcasts de ciência brasileiros recomendados:
37 Graus Podcast — https://37grauspodcast.com/
Dragões de Garagem — http://dragoesdegaragem.com/
Scicast — https://www.deviante.com.br/podcasts/scicast/
Cosmos (Carl Sagan, 1980) — https://www.youtube.com/watch?v=0jMOACMdgpo&list=PL96wQHzW_46q35ed3-U3SuqhBmhBKpj9P
Cosmos (Neil DeGrasse Tysson, disponível na Netflix, 2014) — https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_epis%C3%B3dios_de_Cosmos:_A_Spacetime_Odyssey