Está em uma anotação do meu caderninho usado no retiro de meditação no quinto dia — "em retiros de meditação isso sempre acontece: entro com pretensões estoicas e acabo me descobrindo epicurista". Isso porque a prática meditativa envolve uma alegria difícil de explicar: é como voltar para casa depois de uma longa temporada no escuro e no inabitável. É uma leveza e uma conexão com as coisas e uma sensação indelével de que somos parte de algo maior. E quanto mais tempo passamos nos batendo com nós mesmos, mais forte e duradoura fica essa paz meditativa uma vez alcançada. Porém a medida exata do trabalho que podemos e queremos fazer para obter essa alegria depende de cada um. Ademais, ela não é garantida. E isso foi uma coisa que experimente nesse meu oitavo retiro de vipassana em 2023; as dores e o loop sem fim com que minha mente se embrenhava em algumas questões me fizeram acreditar que meditar nem sempre é benéfico. E existem estudos científicos nesse sentido, e na tradição espiritual também, e chamam de noite escura da alma, onde mesmo pessoas muito treinadas em meditação podem se perder. Ainda assim, no começo do retiro eu estava tão empolgado, e dizia a mim mesmo que ia tomar banhos frios, ia me abster de café, etc. Porém, com as obrigações que o retiro já nos pede, restrições como se abster de falar e de comer depois do almoço, rapidamente notei que precisava maximizar as alegrias que eu ainda possui. Banhos quentes ao invés de banhos gelados, cafezinho de manhã e outros prazeres simples, muito mais próximos do que pregava Epicuro do que pregava Epíteto.
Algumas notas sobre estoicismo e epicurismo de leituras recentes
Filosofia Estoica:
Gestão do Tempo e Vida O estoicismo enfatiza a importância de usar cada momento de forma sábia e intencional, ressaltando que enquanto desperdiçamos tempo, estamos perdendo algo insubstituível (Diário Estoico, pág. 565).
Suportar e Abster-se Os estoicos defendem a resiliência e o autocontrole. A expressão "ανέχoυ καί απέχoυ" significa tolerar as adversidades da vida e abster-se de desejos irracionais ou prejudiciais (Lições de Felicidade, pág. 74).
Evolução do Estoicismo O estoicismo não é uma filosofia estática, mas evoluiu ao longo dos séculos, influenciando e sendo influenciado por diversas culturas, incluindo o cristianismo (pág. 75).
Viver de Acordo com a Natureza (Logos) Os estoicos acreditam que devemos viver em harmonia com a natureza e o universo, respeitando uma ordem racional inerente, conhecida como logos (pág. 76).
Influência de Epiteto Epiteto, um filósofo estoico, é reconhecido por sua abordagem prática da filosofia, ensinando como enfrentar desafios cotidianos com resiliência e dignidade (págs. 78-82).
Diairesis e Proairesis Estes são conceitos estoicos para discernir entre o que está e não está sob nosso controle, promovendo uma resposta racional e calma às situações da vida (págs. 85-87).
Ética e Destino Zenão, o fundador do estoicismo, destaca que nosso comportamento deve seguir um roteiro moral e ético, aceitando o destino como parte da ordem natural das coisas (pág. 88).
Filosofia Epicurista:
A Busca da Vida Boa Epicuro defende uma vida focada na busca de prazeres simples e estáveis, na companhia de amigos, distante das complicações da política e das ambições desenfreadas. Os prazeres estáveis são aqueles que trazem tranquilidade e contentamento duradouro (Lições de Felicidade, pág. 97).
Meditar é mesmo coisa difícil, mas uma vez que se aprenda a técnica e se pratique diariamente, ela se torna um recurso essencial para uma vida de maior qualidade. Eu sei porque eu pratiquei diariamente por alguns anos, entre 2013 e 2018. Os retiros de meditação, no entanto, são muito difíceis, especialmente para quem nunca meditou antes. Portanto, hesito, hoje, em sair recomendando fazer um retiro a todos sem exceção. De fato, outra anotação que fiz nesse mesmo dia diz "Se a meditação é como montanhismo — retiros de vipassana são escaladas intensas". Eu tinha em mente um artigo que eu li na psyche. Me descobri neste retiro um pouco menos ousado do que fui dez anos atrás, menos pretendedor a passar tanto tempo lutando comigo mesmo e com meus pensamentos. E hoje, um mês depois deste retiro, não posso deixar de notar que, para piorar, eu não mantive a meditação no meu dia a dia. Entre as razões possíveis talvez seja simplesmente porque o retiro que acabei de fazer, ao invés de fortalecer minha prática (na verdade rebootar ela, pois eu já estava relapso), me afastou. O retiro não foi um fracassso, no entanto, e experimentei muitas alegrias da calma imóvel que comentei lá no início. Também não foi apenas porque eu passei horas destinadas ao descanso lendo escondido no quarto e fazendo anotações de tudo onde mesmo falar, quanto mais escrever era proibido — o que denota também uma já falta de disciplina inerente minha — mas também porque o retiro de fato foi difícil e dolorido, tanto fisicamente como emocionalmente, por quase todo o tempo. E não quero entrar nos méritos de concordar ou não com a metodologia adotada no retiro — quando escolhi quebrar duas regras para fazer um retiro mais do meu gosto eu abri mão desta crítica (por mais que elas possam ser verificáveis).
e agora, o que podemos fazer? lições de um retiro severo
A meditação, em suas múltiplas facetas e complexidades, pode ser comparada ao alpinismo, não apenas pelo desafio que representa, mas também pelas vistas deslumbrantes e alegrias profundas que oferece ao longo do caminho. No entanto, assim como no alpinismo, onde cada passo deve ser dado com cautela e respeito à montanha, a meditação requer uma abordagem consciente, que respeite os limites pessoais e evite a armadilha do "no pain, no gain".
Meditar, como escalar uma montanha, é uma jornada individual que revela não apenas a paisagem ao redor, mas também a paisagem interna de nossos próprios pensamentos e emoções. Cada prática, cada sessão, é uma oportunidade de descobrir algo novo, de se conectar com algo maior. No entanto, essa jornada não deve ser marcada por dor e desconforto excessivos. A lição extraída dos retiros intensivos e da falácia de que a dor é necessária para o ganho é clara: a gentileza para consigo mesmo é fundamental.
Uma prática de meditação bem-sucedida, assim como uma escalada segura e gratificante, depende do equilíbrio entre desafio e prazer. Assim como um alpinista precisa ajustar seu ritmo, reconhecer seus limites e saber quando é hora de parar para apreciar a vista, o meditador deve estar atento aos sinais do corpo e da mente, buscando não a dor como sinal de progresso, mas a paz e a clareza como indicadores de uma prática bem orientada.
Após experiências intensas, pode ser necessário redefinir a abordagem à meditação, começando com sessões mais curtas e menos intensas, e focando na qualidade da experiência em vez da quantidade. A meditação deve ser vista como uma atividade intrinsecamente recompensadora, não como uma obrigação ou um desafio extremo. É fundamental revisar as expectativas e objetivos relacionados à meditação, garantindo que estejam alinhados com as necessidades e capacidades pessoais.
Uma abordagem gradual e gentil, que respeita os limites individuais e celebra cada pequeno avanço, pode transformar a meditação em uma fonte de alegria e serenidade. Assim como o alpinista que respeita a montanha e desfruta cada momento da escalada, o meditador que abraça a jornada com gentileza e autoconsciência pode descobrir que as maiores vistas não estão no cume, mas no caminho percorrido com coração e mente abertos.