Resumo
O autor compartilha sua experiência com retiros de meditação Vipassana e como a prática de meditação mudou sua vida. Ele descreve a atmosfera mágica e colaborativa nos retiros, onde pessoas de diferentes origens se reuniam para explorar a si mesmas e buscar a verdade interior. No entanto, o autor percebeu que desejava aproveitar a tranquilidade e a liberdade de explorar outros interesses, o que o levou a parar de fazer os retiros formais. Ele enfatiza a importância da técnica de meditação em si e como ela continua sendo uma parte valiosa de sua jornada de autoconhecimento. O autor também menciona a influência do ensinamento de SN Goenka e a popularização do movimento mindfulness.
Eu decidi parar de fazer Retiros de Meditação Vipassana. Mas, enquanto isso não tem nada a ver com a meditação como técnica nem com os retiros, é um posicionamento que preciso tomar uma vez que foi a meditação que mudou a minha vida. Tudo começou com os retiros de 2011, quando descobri um lugar onde poderia examinar os conteúdos de meu coração com muita segurança e tranquilidade e que o que acontecia a partir disso era mais incrível que qualquer coisa que eu já tinha vivido ou visto (ou usado). Naturalmente, a gente acaba querendo mais.
Sempre fui o cara da normalização — não há nada adventício o suficiente que eu não possa normalizar em alguns dias ou algumas semanas. Enquanto isso às vezes pode ser bom — ainda mais se você preza pelo cotidiano e o empoderamento que ele traz, por outro lado é um tanto quanto perigoso para quem quer fugir do tédio e ver a vida como um caleidoscópio, com suas infinitas variantes e divertidas cores. Mas cada um é o que é, e eu aprendi a usar isso a meu favor sempre que pude. Isso significa que mesmo experiências muito fortes não me tirariam dos trilhos, mas que se eu quisesse eu as poderia celebrar sempre que possível, e esse é o lado bom de ser um normalizador: se você sabe que a coisa é especial, pode aprender a não estragar comendo tudo de uma vez. Por isso que levei tanto tempo para me desligar de algumas coisas (e nisto insiro meus retiros de meditação): não queria estragar a lembrança abusando da experiência.
Os retiros de meditação que eu fiz, formalmente, com inscrição adiantada, etc, foram em dois centros: no Dhamma Santi, no Rio, e Dhamma Vírya em Córdoba, esse na aurora deste ano. No Dhamma Santi acho que foram uns cinco cursos, de dez dias, e o outro, de dez dias também, na Argentina. Não entro em detalhes por que não guardo na memória os dados destes cursos: não lembro nome de professores ou quantidade de cursos. E isso é mais um sinal de que, afinal, era apenas entusiasmo que me fez acreditar um dia que eu quisesse fazer Carreira de Meditador Vipassana (sim isso é real, e existe uma competição implícita em quem faz muitos retiros, que é o número de retiros e a qualidade destes retiros, se foram de dez, vinte ou trinta dias. Ninguém escapa desta comparação e é perigosíssima para quem tem a mente fraca).
Eu me interessei por meditação primeiramente quando li artigos esparsos em revistas brasileiras. Ajudou muito eu ter visto uma meditadora muito poderosa um dia e ela ter feito maior segredo sobre que técnica ela praticava. Aí comecei a estudar o assunto por mim mesmo. Fui para o meio do mato, ergui acampamentos, enfim, fugi de tudo e de todos, mas faltava um objetivo, muito fácil eu iria descobrir, mas que naquele momento eu não encontrava. Até que consegui me inscrever, ser aceito e chegar até o Rio de Janeiro para fazer esse curso, meu primeiro curso com professores, instrutores, colegas, etc. (estava tentando já em 2009 mas estas etapas nunca conseguiam todas serem vencidas, sempre faltando algo).
Como eu disse, rolou muito entusiasmo. Eu queria me tornar o melhor meditador. Queria me transformar em um super meditador, com muitos cursos etc. Não foi só por que eu estava perdido, ou por que estava deslumbrado com a serra carioca, mas por que o lugar é mesmo um mágico: com muita colaboração, amizade, respeito, zelo, educação. Pessoas incríveis (artistas, engenheiros, surfistas, veganos, maconheiros, neo-xamãs, ativistas, professores de Yoga e até, para você ter uma ideia, o homem comum) de todos os lugares iam para lá; existia no ar um senso de que algo especial estava acontecendo e que era espontâneo, sem fingimento. Eu queria viver aquilo, queria viver daquilo. Era a resposta para meu desencanto com o mundo: sem correria, com autogestão, sem oferta e demanda, sem dinheiro (entre os retirantes, mas os centros dependem de doações para existirem). Eu mergulhei em meus estudos de meditação e de budismo, filosofia que já adotara espontaneamente um ou dois anos atrás. Na verdade era perfeito.
Muitos jovens e adultos, inclusive de outros países, vinham marcar ponto em sua carteirinha de retiros, como poderia ser diferente? você não precisa pagar a estadia, os lugares são maravilhosos e abençoados (terra do Dhamma) e sempre têm pessoas incríveis lá. Como se fosse um turismo espiritual, as pessoas estão começando a fazer assim: “eu vou viajar assim, assado, aí passo dez dias em um retiro do Goenka depois faço assim”. Embora a ideia seja sedutora, pode acabar frequentemente em uma subversão perigosa dos valores espirituais de se fazer um retiro (eu quero descobrir a mim mesmo ou quero apenas um Spa gratuito?) pois como você vai saber que não vai descobrir algo que vai mudar a sua vida e acabar com sua viagem toda calculada?
Claro, nestes retiros existem apenas duas opções, ou você vai ou trabalhar de graça para os meditadores terem o retiro (serviço do Dhamma) ou vai trabalhar duro para descobrir a verdade interior (ou as coisas como ela são, o Dhamma), cerca de dez horas por dia, das quatro da manhã até as nove da noite, não existem facilidades, mas quem quer facilidades? Bem, esse é o ponto de inflexão, eu admito, eu queria.
Este texto não é o meu mea culpa, no entanto. Este é um fato que não posso deixar passar neste depoimento: quanto mais eu me descobria, quanto mais eu me aprofundava em mim, mais que queria aproveitar a tranquilidade instaurada, e naquela hora eu queria meditar mas também queria ler, descobrir, se encantar, conversar com alguém, andar por aí, se transformar, sem as regras rígidas de centros de meditação, eu via que uma coisa anulava a outra. Senão eu me transformaria em uma máquina, senão eu perderia a apreciação do que me faz humano. E infelizmente ainda não foi descoberto equilíbrio perfeito lazer/trabalho. Pelo menos não em retiros como esses. Pelo menos não para todo mundo.
Voltei a estaca zero então? Não necessariamente. A técnica está comigo. E ela é o bem mais precioso (joia do Dhamma) neste contexto. Ainda resta muito trabalho, mas posso ver que auto-retiros são tão interessantes quanto os Retiros Vipassana. Ok, não terei os “hotéis cinco estrelas” (para usar uma ironia de um amigo muito especial que conheci em um destes retiros no Rio) que eu sonhei um dia, mas, e aí está a graça, de que adianta estar em lençóis de seda e com vistas paradisíacas se sua mente está impura e cheia de sofrimento? Além disso eu preciso deste tipo de incentivo para trilhar o caminho da iluminação? Eu estou aprendendo o tempo todo, e em retiros estamos aprendendo coisas essenciais sobre nós mesmos — mas a disciplina necessária para cumprir um retiro e o valor deste esforço eu já aprendi, agora é só organizar meus próprios retiros. O objetivo, enfim, eu já entendi: não é nada menos que a libertação de todo sofrimento.
PS. Sobre a meditação vipassana como ensinada por SN Goenka:
Pessoas do mundo todo, aos milhares, estão experimentando os benefícios da meditação enquanto escrevo este artigo, e a organização que SN Goenka criou é uma das maiores responsáveis pelo movimento mindfulness ter tomado o mundo. Isso tudo sem nunca ter reclamado títulos ou papel de guru, um santo em vida, um dono de casa, um empresário e visionário. Sensato, ele dizia, “você já teve a experiência Goenka, você tem que escolher agora”. Eu escolhi, e agora, escolho outra vez. E apesar de serem mutuamente excludentes, sinto que o papel foi cumprido e mudança foi realizada para a vida toda. Abrir mão dos retiros é estar em retiro para sempre.