às voltas com livros conservadores e la seca na hora de escrever
(…) me bateu La Seca, como dizia Donoso, e passei quase quatro anos sem conseguir escrever. Um maldito inferno, pois ao perder a escrita, perdi também o nexo com a vida. Sentia uma lassidão, uma distância da realidade, uma névoa que borrava tudo, como se eu não fosse capaz de me emocionar com o que vivia se não o elaborasse mentalmente através de palavras. Pensando bem, é possível que o grande Fernando Pessoa se referisse a isso nos seus célebres versos: “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”. Talvez o escritor seja um sujeito mais ou menos louco que é incapaz de sentir a própria dor se não fingir ou construí-la com palavras. A ridícula ideia de nunca mais te ver — Montero, Rosa
Também tenho tido securas de escrita. Mesmo para mim apenas, e neste blog público, então, mais ainda. A verdade é que não há inspiração, vontade, disciplina ou intenção. Nada, absolutamente nada, me inspira. Ideias eu tenho muitas, o que não me inspira é querer compartilhar mesmo. Estranhamente isso acontece mesmo com minhas escritas terapêuticas; estou escrevendo no momento sob o signo da embriaguez e da leitura do tarô, doutra maneira nem assim o faria. Me enganando para chegar a algum lugar.
E a tal secura não é por falta de leitura, essa semana acabei o “Cartas de um diabo a seu aprendiz”… do C. S. Lewis, e cheguei a quase três quartos do “A vida intelectual” do A. Sertillanges. Também, li “O Psicopata Americano” até a metade, ensaiei a leitura de “Crime e Castigo” e de “O mestre e a margarida”. Em relação ao primeiro e o último, isto é, o livro do C. S. Lewis e do Bulgakov, guardadas as devidas diferenças, são livros cujo protagonismo é do diabo. Ler livros de não ficção e conservadores em sua essência me trouxe pensamentos sobre a minha própria natureza, sobre a natureza de meu meio, e sobre a verdadeira natureza do caminho. Ainda assim não pude expressar em palavras, não importa o quanto café eu tomasse (e olha que tomei muito). Ainda assim vou tentar.
Primeiramente, o livro do C. S. Lewis eu li acompanhado da alexa e ouvi grande parte do livro pedalando. Não posso afirmar que foi um livro lido com muita atenção, mas ainda assim sinto que aproveitei; o livro do Padre Sertillanges,“A vida intelectual”, por outro lado, veio no esteio de uma leitura anterior já abandonada e já estava bastante avançado quando o peguei. Este eu li com muita atenção, sublinhando cada parte que me interessava, que foram muitas aliás. Se a proporção de paretto se aplica a ideias e ideologias, neste livro esta aglutinado os vinte por cento essenciais de tudo o que há no conservadorismo (e que é o que vale a pena aproveitar). O que não é pouco, e tem muito impacto para alguém que dedicou a vida a ignorar qualquer coisa que fosse minimamente desse teor ideológico.
Nesse livro, ele explica como é viver uma vida de dedicação intelectual, de corpo e alma. Ele faz pouco caso das necessidades mundanas e parte do princípio que somos monges ou seminaristas prontos para começar uma vida de dedicação exclusiva à Vontade Superior. O valor do livro, ao meu ver, está no fato de que ele é claro, detalhista e cuidadoso no trato com o neófito dessa área. É quase um manual, e pretendo usar seus ensinamentos para tudo na minha já defasada atividade acadêmica; talvez eu pule a parte de decorar aquela porção de orações, no entanto. Um vade mecum do intelectual católico, eu recomendo a todos os que procuram um livro de auto ajuda que não seja de autoajuda — que anteceda esse tipo de livro e que seja mais original em suas intenções também.
Sou parte da Energia
Que sempre o Mal pretende e que o Bem sempre cria.
von Goethe, Johann Wolfgang. Fausto
O Diabo, seja a versão malvada dos cristãos (que tive o “desprazer” de conhecer de própria voz na obra excelente do C. S. Lewis) seja a versão naturalista como a do Hades imparcial dos mitos gregos (que conheci no podcast incrível que descobri, o Noites Gregas), a mim, nada revela, senão indicações: Diabo é inimigo, o tentador, me lembra muito os evangélicos que vêm ele em todo lugar (meme do “marea é coisa do capeta”). Diabo é também o ex-anjo, o mais talentoso dentre eles, e que, como diz Milton em seu poema, prefere reinar no inferno do que servir no céu. O diabo é tema de série e um personagem mais esperto do desenho (des)encanto; nos textos canônicos ele é a tentação e simboliza a cisão pura e simples do bem e daquilo que não é bem. Os ateístas adoram usá-lo como símbolos daquilo que nem mesmo o cristão mais bem informado pode explicar: se Deus é onipotente, porque ele permite o mal? Isso não o torna, afinal, mal também? A questão do propósito maior ganha relevância aqui segundo C. S. Lewis, e o mal esta no mundo porque precisamos nos aperfeiçoar, tornarmo-nos iguais a Ele. Finalmente, me lembro do Fausto (Sakurov. 2011) que vende sua alma ao diabo sob a condição de encontrar em vida o sublime.
As religiões não cristãs não possuem tal coisa como o Diabo,e quando possuem algo do tipo ele não é a encarnação do mal; os evangélicos mais radicais, no entanto, são pródigos em chamar de coisa do diabo qualquer coisa nelas que lhes desagrade. Não é de surpreender, no entanto, que esteja aí, novamente, a ideia de o Grande Propósito, manipulando e enviesando qualquer interpretação mais liberal das culturas diversas: é da Vontade de Deus que limpemos o mundo de qualquer tipo de idolatria. É da Vontade Deus que nos atormentemos com o diabo (e o livro do C. S. Lewis ilustra bem essa imagem parodiada e cômica do anjo e do diabo um de cada lado de nossas cabeças nos influenciando, e ele acredita mesmo nisso). Certamente, é Vontade de Deus que acabe o comunismo e os seus seguidores, etc.
Eu alardearia que conservadorismo é loucura solta no mundo se não tivesse minhas dúvidas, já: se no começo de 2016 alguém falasse para mim que o Trump ia ganhar e em 2018 seria a vez do Bolsonaro, eu duvidaria. Não duvido mais. A pandemia, não facilitou essa compreensão, senão a complicou mais ainda. Agora, se a direita preza por eficiência (link para papo do Pirula e do Icles sobre “direita vs esquerda”), a extrema direita deveria prezar por extrema eficiência, certo? Porque, portanto, não seria o caso de serem tão eficientes que não precisassem de nem mesmo quatro anos para cumprir com seu propósito? Certamente haviam muitos bolsominions arrependidos antes mesmo de acabar 2019; já não tenho certeza que eles aumentarão até 2022. Mas seja lá quem (ou o que) for que herdar esse país a partir dessa data, vai passar muito mais tempo reconstruindo e reunindo do que qualquer outra coisa.
Com o passar do tempo nos anestesiamos e perdemos a própria noção daquilo que antes não perdíamos de vista. Ficar em casa por um ano e, ao que parece, talvez mais um, é perder a noção de como relacionar-se, de como comportar-se em público, de como se vestir, de como conversar. É perder a cola que mantinha a realidade longe de se despedaçar, mas também é única forma de que dispomos de evitar o contágio. Não estou vendo mais a empolgação, nem em outros nem em mim, de parar tudo por mais alguns dias e achatar a curva (de modo a desafogar os hospitais e UTI). Tudo, as conversas, as postagens, as esperanças e as notícias, agora tem se resumido em vacina, o que é ótimo, mas que tem se provado cada vez mais distante. Eu mesmo luto contra isso tudo, havendo perdido meu avô mesmo após um ano de isolamento, meu aqui e dele lá; a vacina demorou demais, o progresso, como disse o sábio senhor do cine paradiso, o progresso, como sempre, demorou demais.