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Um comentário sobre a “era da informação”

RESUMO: O autor discute a efemeridade dos podcasts e a transitoriedade dos meios de comunicação na era digital. Ele reflete sobre a quantidade de informação disponível e a falta de essência nos diferentes meios, como rádio, memes, livros e televisão, destacando a importância da simplicidade e da autenticidade. O texto também aborda a questão da privacidade na era da transparência completa e da falta de controle social.

Tenho ouvido muitos podcasts ultimamente. Usei eles como fontes acadêmicas em uma pesquisa recente que eu fiz (PDF). Isso não deveria soar como grande coisa, com podcasts ajudando até a resolver crimes reais e sendo a ideia base de seriados televisivos bons. Ainda que exista um infinidade de podcasts diferentes, para todos os gostos e nuances, todos eles se parecem em seu uso da linguagem oral e pela efemeridade de sua forma.

Os episódios de uma determinada produtora de conteúdo provavelmente serão todos organizados no tempo em ordem crescente, estes episódios se acumularão facilmente, sendo referenciados entre si para maior profundidade no assunto — o tema sendo o principal motivo da existência deles, e você tentando arduamente entender como acompanhar tanto assunto.

Também, o podcast é parecido com ouvir uma conversa de amigos sobre um ou diversos assuntos, mas, dada a transitoriedade do meio utilizado — a palavra falada e o som das palavras se perdendo rapidamente, nos levando enganosamente a entrar em modo multitarefa, que só nos distrai mais ainda — entendo por causa disso que possam preferir outros meios — vídeo, texto, o que for.

Talvez seja apenas o sentido com que a pessoa mais se identifique que mude — porém meios diferentes servem a propósitos diferentes. Basta lembrar que Sócrates nunca escreveu uma palavra que fosse e sua filosofia ficou eternizada nos diálogos socráticos de Platão mesmo assim. O papel (ou a pedra talhada ou qualquer coisa do tipo), embora registre, registra qualquer coisa, sem distinções — a efemeridade se localizando em outro âmbito, o da relevância.

Esse liquidificação dos meios e das mensagens já foram apontadas muitas vezes e não tenho nem intenção nem capacidade de falar sobre isso aqui — basta lembrar que vivemos em um mundo onde um motorista de Uber pode se tornar seu grande amigo da semana no espaço de uma viagem. Não apenas porque as pessoas se adaptam rapidamente, não apenas porque as pessoas precisam trabalhar e se relacionar para sobreviver, mas porque é nisso que nossa sociedade se transformou. Nossa maior virtude como espécie — nossa capacidade de socializar e transformar muito rapidamente as mesmas sociedades, se tornou nossa maior calamidade. Nada é sólido e tudo se desmancha no ar; a vida é uma miríade de possibilidades e nenhuma concretude.

Em seu livro O culto do amador, publicado originalmente em 2007, o empreendedor do Vale do Silício Andrew Keen fez um alerta para o fato de que a internet havia não apenas democratizado a informação de maneira inimaginável, como também estava fazendo com que a “sabedoria das multidões” tomasse o lugar do conhecimento legítimo, nublando perigosamente os limites entre fato e opinião, entre argumentação embasada e bravata especulativa.

Michiko Kakutani, “The Cult of the Amateur”, The New York Times, 29 de junho de 2007 apud Kakutani, Michiko. A morte da verdade: Notas sobre a mentira na era Trump.

As mídias só vêm a agravar esta sensação — muita informação e pouca essência. Os podcasts que eu citei são só um dos meios de se manter informado — para além disso temos muitos outros como a rádio, os memes, os livros e a televisão, afora a rede social que é também um tipo de controle social — que até mesmo na China não conseguiram fazer ainda: regularmo-nos uns aos outros de boa vontade e com grande capacidade de engajamento e resposta. Uma mensagem na rede social hoje pode fechar seu destino amanhã. No mundo ocidental isso é realidade, não coisa do Black Mirror — vivemos na era da transparência completa e da privacidade alguma– e ninguém consegue escapar. Ou quase ninguém.

Se é permitido a alguém que raramente olha os jornais dar sua opinião, eu diria que nunca acontece nada de novo no estrangeiro, nem mesmo uma revolução francesa.

Que novidade coisa nenhuma! Muito mais importante é saber o que nunca envelhece!

Thoreau, Henry David. Walden . L&PM Editores. Edição do Kindle.

Isso soa radical o suficiente para mim. Vale para tantas coisas na vida, todas convergindo para uma forma de viver que se caracteriza pela simplicidade. Virtude sim, mas sem adornos desnecessários. Conhecimento, sim também, mas sem a sofisticação — cuja palavra significa literalmente algo como “usar de falsidade e engano”. Cultura é oposto de natureza, e é apenas nossa maneira desajeitada de imitá-la, incansavelmente, há mais de 5 mil anos (invenção da escrita). É o que somos, de uma lado, mas não é, pelo outro. Desnecessário dizer que isso vale para todas as nossas identidades — que nos apegamos tanto ao longo da vida. Somos essas coisas apenas em uma pequena parte nossa — e ainda assim insistimos em fazê-las parecerem tão importantes.

E tenho certeza de nunca ter lido nenhuma notícia memorável no jornal. Se lemos o caso de um homem roubado, assassinado, morto por acidente, ou de uma casa incendiada, ou de um navio naufragado, ou um barco a vapor explodido, ou uma vaca atropelada na Western Railroad, ou um cachorro louco abatido, ou uma nuvem de gafanhotos no inverno — nunca mais precisamos ler outro. Basta um. Se você já conhece o princípio, para que vai se incomodar com uma infinidade de casos e aplicações? Para um filósofo, toda novidade, como se diz, é mexerico, e os editores e os leitores são velhotas bebericando seus chás.

Thoreau, Henry David. Walden . L&PM Editores. Edição do Kindle.

Aí tu me diz, mas nem o Thoreau abandonou a civilização — ele ia à cidade de vez em quando, a mãe dele que lavava as roupas dele para ele ficar na cabana do lago meditando — uma crítica apropriada, comum para pessoas idealistas. Eu respondo que tratando-se de filosofia uma única noite em uma prisão é suficiente para explicar centenas, e quinze quilômetros distantes da cidade é equivalente a ir até a lua e voltar — Thoreau não precisava virar um eremita e desaparecer em uma caverna — ele só precisava voltar seus pensamentos para si mesmo e contemplar a natureza. Uma lição extra para quem pensa que se não existe mais terra incognita. Um reino inteiro jaz desconhecido dentro de nós.

Para Thoreau o mundo das dez mil coisas (como os chineses antigos chamavam o incontável, o limite do que podemos conhecer) é apenas uma única coisa — DLC, conteúdo adicional. Não precisamos fazer o download se soubermos a narrativa principal. A narrativa principal é aquela que nasce de nós mesmos mas que não se abdica do outro; sermos fiéis a nós mesmos é a maior lição desta vida.

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